Vamos todos celebrar!
Todos
generosamente convidados para a festa da democracia! E nela, para
alguns poucos mais cheios de fé, haverá um momento de idílio e maior
entorpecimento dos seus sentidos. Haverá também um reforçamento de suas
crenças em seu significado. A materialização das suas vãs esperanças (ou
senso de oportunidade) nos truques mágicos de seus prediletos e já
eleitos prestidigitadores e bem travestidos bufões e palhaços. Sejam
eles ingênuos ou sub-reptícios.
Também há uma imensa multidão,
que em romaria, obnubilada e arrastada por poderosos grilhões
imaginários cumpre o protocolo da passiva e, portanto necessariamente
bem educada e tradicional cooperação dormente. Plasmado está o temor
inconsciente da vigilância do deus pai encarnado em democratura e
professado por escolhidos intermediários.
Carrascos infelizes
de si próprios! Essa festa, cuja música é um misto de repetidas e
hipnóticas canções absurdamente patéticas, que com rimas pobres e
recursos performáticos sofisticados pelas décadas de espetáculo
produzido-ensaiado-exibido, tem a função de nos lembrar da geral
obrigação de sermos também, repetitivos e patéticos.
Nessa
festa, celebramos o tão honesto ímpeto dos que vão nos tratar e tentar
domar diariamente, pondo-nos nas nossas jaulas já invisíveis aos olhos
embotados da massa acrítica. Sempre através de também invisíveis roubos
legítimos dos aspectos relevantes de nossas vidas-cidadãs e liberdades
humanas, ora, através de convenientes formalidades burocráticas.
Administrando miséria em variadas doses, doces ilusões de virtudes e
possibilidades, entendimento comum em frágeis crenças pré-fabricadas.
Essa festa, tão cuidadosamente organizada, cheira a sangue, suplanta a
existência da indigência no perceber coletivo. Apoia-se numa história de
horror sistematicamente ignorado, maquiado, escamoteado.
Controle e ambição por controle; essa festa conta com o nosso silêncio
medroso e eventuais resmungos abatidos, prontamente abafados pela
imensidão da inércia do espírito público dos seus convidados.
E nessa festa, não somos sequer melhor tratados que os porcos ou gado
humano que somos, que sem saída, silenciosamente encontra-se com a
anulação de si mesmo no fim do túnel, onde a frágil carne da humanidade
se rasga e sangra fluida feito a liquidez, advento irretorquível da
pós-modernidade ainda pouco compreendida, pois é feita de confusão.
Nessa festa somos os produtos voluntários, os criados subservientes,
bem como o opulento banquete pútrido dos que vão nos cevar e cevar com
indiferente autoridade, migalhas e irrelevâncias práticas, numa
manutenção subliminar-angustiosa até uma próxima e similar ocasião.
O relógio bate o tempo ágil deste dia santo. Ecoam aplausos cerimoniosos no fim da tarde...
Guerra é paz, escravidão é liberdade, ignorância é força. O grande irmão sorri satisfeito.
________
“Ah”,
disse o rato, “o mundo torna-se a cada dia mais estreito. A princípio
era tão vasto que me dava medo, eu continuava correndo e me sentia feliz
com o fato de que finalmente via à distância, à direita e à esquerda,
as paredes, mas essas longas paredes convergem tão depressa uma para a
outra, que já estou no último quarto e lá no canto fica a ratoeira para a
qual eu corro.” ― “Você só precisa mudar de direção”, disse o gato e
devorou-o.
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